Adolfo Correia da Rocha nasceu a 12 de Agosto de 1907, em São Martinho de Anta, Sabrosa, Vila Real. Foi escritor, poeta e médico tendo criado em 1934 o pseudónimo literário Miguel Torga, pelo qual hoje é sobejamente conhecido, felizmente.
Nasceu numa família humilde, serviu, frequentou o seminário, tenho perdido lá a sua fé embora nunca tenha esquecido Deus. Trabalhou na fazenda do tio no Brasil, de onde guarda recordações amargas mas que lhe valeram o patrocínio do tio para terminar os estudos em Coimbra. Estudou Medicina e especializou em Otorrinolaringologia.
A morte, o destino, a eternidade e a natureza são objecto reflexões permanentes. Dizia acreditar mais na natureza do que na ciência, apesar de ser médico. E todos sabemos quando é impossível dissociar a natureza da ciência. É um homem que pelo que disse e fez denotou uma sede de amor absoluto, de paz, de fraternidade e de comunhão, embora pesassem nele angústias várias: pela organização social, política e religiosa que rege a sociedade e a falta de liberdade consequência dessa organização.
Miguel Torga entregou-se por inteiro à literatura, não só enquanto criador mas reconhecendo que ela é uma fonte de conhecimento e de crescimento intelectual e espiritual, acrescento eu.
Além de poesia, escreveu romances, novelas, contos, ensaios e peças de teatro. Recebeu o prémio Camões em 1989, o Prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores em 1992 e foi apontado como possível agraciado pelo Prémio Nobel da Literatura.
Morreu em Coimbra, a 17 de janeiro de 1995, deixando um legado humanista e espiritual.
Termino com um dos seus poemas, talvez o que mais me toca.
Livro de Horas
Aqui diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.
Me confesso
possesso
das virtudes teologais,
que são três,
e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.
Me confesso
o dono das minhas horas
O dos facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
andanças
do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!
fotografia: JN