A domesticação dos animais e o conceito de gado marca a transição da sociedade: os homens até então caçadores e recolectores transformam-se em proprietários e mercadores, usurpando territórios, pessoas, animais e plantas, com vista à permanência e à propriedade, surgindo então a agricultura.
A diversidade começa a ser atacada ferozmente, e a economia nasce no sentido de criar hierarquia e divisão. O lucro gera conforto e poder sobre os outros, e os animais e plantas deixam-se dominar.
Acredita-se que o fim de algumas espécies, até então caçadas pelo homem, dita a domesticação de animais e o início de uma espécie de primeira colonização do mundo (conceito desenvolvido por Iris Lican e Sofia Batalha). Com o fim do nomadismo, a população cresce mais rapidamente e logo as necessidades de alimentação e vestuário aumentam. Os animais e as plantas deixam de estar ao nível do ser humano, que vivia como os restantes seres vivos em busca de comida e abrigo, e passam a ser encarados como objecto de utilidade económica, com possibilidade de serem adestrados.
As condições de vida dos ancestrais das ovelhas, cabras, vacas e bois são alteradas e com elas surgem ''mudanças a nível anatómico, morfológico, fisiológico, comportamental e genético''. O facto do homem providenciar comida, abrigo e sujeitar os animais a um comportamento de trabalho sedentário, altera as gerações posteriores, multiplicando animais obedientes, sem força anímica (alma animal).
Já a domesticação dos chamados animais de estimação e dos porcos, acredita-se que tenha sido impulsionada pelo aparecimento de animais mais destemidos junto a estas comunidades de humanos e animais já transformados em gado.
''Darwin, nos seus estudos pioneiros sobre domesticação, identificou algumas características transversais a várias espécies animais resultantes deste processo. Estas estão associadas ao designado “síndrome de domesticação”, em que espécies distintas compartilham mecanismos de resposta à selecção artificial, tais como: comportamento infantil e submisso; alterações da morfologia craniofacial, com redução do tamanho do cérebro; orelhas mais pequenas e descaídas e dentes menores; redução do tamanho corporal e padrões de coloração da pelagem distintos; ciclos reprodutivos frequentes e menos sazonais.''
Há que olhar de forma crítica para o percurso do ser humano no que diz respeito à usurpação e apropriação de outros seres vivos. Os animais não nasceram para providenciar bem-estar e comida aos seres humanos, mas para fazerem parte de uma ecossistema que funciona em círculo. Aqui a morte cumpre o seu propósito de transformar novamente o homem em húmus.
Não vale continuarmos apenas a fugir de vírus e a esconder-nos atrás de máscaras se continuarmos autómatos sem reflectir em quem realmente somos, o que realmente representamos na Terra e que comportamento deveremos ter em relação ao que nos rodeia.
Reflexão a partir de um artigo de Catarina Ginja, Engenheira Zootécnica e investigadora principal do grupo de Arqueogenética do CIBIO-InBIO na Universidade do Porto
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