Há tanto para dizer sobre esta mulher.
Maria Lamas (Torres Novas, 1893 - Lisboa, 1983) foi uma intelectual portuguesa, escritora, acérrima humanista e uma das primeiras jornalistas profissionais portuguesas.
O seu pai era republicano e maçon e foi responsável pela educação literária de Maria Lamas. O seu irmão mais velho Vassalo e Silva foi o último Governador da Índia Portuguesa. Estudou num colégio de freiras espanholas, o que contribuiu para o seu misticismo erudito e conhecimento sobre o cristianismo. Viveu em Angola com o marido mas regressou sozinha. Casou uma segunda vez e mesmo após o segundo divórcio manteve o sobrenome Lamas. Foi mãe de três filhas, duas do primeiro casamento e uma do segundo.
Foi uma mulher muito interventiva na sociedade, a favor da igualdade e da emancipação das mulheres, que aliás, considerava baseada na educação e independência económica, pelo exercício de uma profissão ou de um ofício.
Lutou pelo direito à felicidade, à igualdade e à liberdade. Acreditava que a fraternidade, a justiça e a verdade são condições para uma sociedade democrática mais justa.
Foi presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, associação criada em 1914 pela médica obstetra Adelaide Cabete e pertenceu à Associação Feminina Portuguesa para a Paz. Foi militante contra o regime salazarista, foi presa três vezes e acabou por exilar duas vezes para Paris, primeiro 15 meses e depois 7 anos. Aqui relaciona-se com várias personalidades de destaque na história e na sociedade. E é com alegria que testemunha os movimentos o Maio de 68. Conheceu toda a Europa, Japão, China, Ceilão, União Soviética, onde foi 5 vezes, esteve na Albânia a convite do Governo e em Argel. No estrangeiro dá apoio a exilados e emigrantes.
Em 1960 morre a sua segunda filha para grande abalo de Maria Lamas.
Em 1980, foi condecorada com a Ordem da Liberdade concedida pelo Presidente Eanes e já antes tinha sido condecorada pelo Presidente Carmona, aquando da Exposição das Mulheres Portuguesas, com a Ordem de Oficial de Santiago de Espada.
Maria Lamas mantinha relação com as feministas da época: Adelaide Cabete, Sara Beirão, Elina Guimarães, Maria Emília Sousa e Costa,Virgínia de Castro e Almeida, Deolinda Quartim, Branca de Gonta Colaço e Manuela de Azevedo, entre outras.
Além de crónicas e reportagens, escreveu poesia, recensões, romance e autobiografias. Escreveu para crianças e jovens e para mulheres. Também foi tradutora.
Entre as suas obras realizou a reportagem As Mulheres do Meu País (1950), reunindo em fascículos trabalho de campo por todo o país, ao longo de dois anos.
Em 1952 publica a obra A Mulher no Mundo, composta por dois tomos (mais de 600 páginas cada) com estudos comparados do estado do feminismo pelo mundo, recorrendo a consulta consulta historiográfica, recenseando centenas de obras.
Nos anos 40, adere ao Movimento Democrático Nacional (MDN) e ao Movimento de Unidade Democrática (MUD). Participa activamente na Campanha do General Norton de Matos à Presidência.
Nos anos 50 e 60 foi conferencista pelos Direitos das Mulheres e pela Paz cuja Comissão Nacional dirigiu.
Em 1980 é agraciada com o Grau de Oficial da Ordem da Liberdade. Em 1982 é homenageada pela Assembleia da República. Em 1983 recebe a Medalha Eugénie Cotton, da Fédération Démocratique Internacionale dês Femmes (FDIM).
Maria Lamas foi uma mulher extraordinária que nos deixou obra e legado. Foi pioneira e corajosa. Apesar de toda a sua formação e sabedoria em tempos de dificuldade chegou a fazer trabalhos de costura e a pagar a educação da sua filha mais velha com lições.
Aliás, sobre a literatura infantil escreveu o seguinte:
''A mulher pode suplantar o homem na literatura infantil. Conhece melhor a alma da criança, acompanha-a dia a dia, hora a hora, na sua maravilhosa evolução. Mas há excepções. Há uma tendência exagerada para a literatura infantil. Qualquer senhora se julga apta a escrever para os pequeninos, como se fosse uma literatura acessível a todas as incompetências. Vou talvez provocar alguns protestos, mas isso não impede que eu diga a minha opinião: devia haver uma censura rigorosa, intransigente para a literatura infantil, quer sob o ponto de vista educativo, quer sob o ponto de vista moral e estético. Tenho visto contos e livros infantis que são verdadeiros atentados contra o espírito, a sensibilidade e a inteligência da criança. Neste capítulo atravessamos uma crise de abundância que eu considero mais que lamentável, altamente prejudicial.''
E sobre a poesia:
''As portuguesas fazem versos demais – uma pseudo-poesia chorona, de interesse pessoal, quando muito, sem elevação nem beleza. Temos, em contraste, grandes poetisas. Deixe-me dizer-lhe: é exactamente na poesia que encontramos a maior parte dos valores reais da literatura feminina contemporânea.''
Se tiver interesse partilho a tese de doutoramento em Estudos Portugueses, Cultura
Portuguesa do século XX sobre Maria Lamas disponível online